domingo, 18 de outubro de 2015

O PRIMEIRO DRÁCULA DE CHRISTOPHER LEE E DO DIRETOR TERENCE FISHER

1974: estava com 18 anos. Vesti o melhor pijama e marquei lugar diante da televisão. Estava pronto para prestigiar a exibição, pela então badalada 'Sessão Mistério' da TV Globo, de O vampiro da noite (Dracula, 1958). É o filme que catapultou Christopher Lee ao estrelato, deu visibilidade à produtora inglesa Hammer Film e inaugurou a 'Coleção Maldita de Terence Fisher'. O diretor contrariou diversas opiniões ao realizá-lo. Para sua felicidade, o sucesso, além de estrondoso, devolveu a respeitabilidade às produções voltadas ao sobrenatural e aos vampiros. Segundo os entendidos, é o ponto culminante do terror gótico. Quanto a mim, torci o nariz. Esperava algo apavorante e me deparei com uma realização prejudicada por excesso de contenção, mais parecida a um melodrama bem comportado. Provavelmente, com a avaliação em tela de O vampiro da noite, serei condenado, pelos fãs mais ardorosos, ao inferno no qual ardem os iconoclastas. Que me perdoem; nada posso fazer. No Brasil, o filme também é conhecido como Horror de Drácula, tradução literal do título atribuído pelo distribuidor estadunidense, responsável por lançá-lo no mercado mundial. Em 1965 o diretor Terence Fisher filmou uma espécie de prolongamento para O vampiro da noite: trata-se de Drácula, o príncipe das trevas (Dracula: prince of darkness), com apreciação neste blog acessada pelo link http://cineugenio.blogspot.com/2013/12/das-cinzas-de-o-vampiro-da-noite.html.









O vampiro da noite
Dracula

Direção:
Terence Fisher
Produção:
Anthony Hinds
Hammer Film Production
Inglaterra — 1958
Elenco:
Peter Cushing, Christopher Lee, Melissa Stribling, Michael Gough, Carol Marsh, Olga Dickie, John Van Eyssen, Valerie Gaunt, Janine Faye, Barbara Archer, Charles Lloyd Pack, George Merritt, Milles Malleson, George Benson, George Woodridge, Geoffrey Bayldon, Paul Cole e os não creditados Guy Mills, Richard Morgan, John Mossman.


O diretor Terence Fisher


Quando o inglês Terence Fisher resolveu refilmar Drácula — romance escrito por Bram Stoker em 1897 —, muitos viram a iniciativa como contraproducente. Consideravam o tema do vampirismo suficientemente batido e banalizado, incapaz de despertar novos interesses. Até a ocasião — se as filmografias merecem crédito — o Conde sugador de sangue da Transilvânia dera o ar da graça em quatro produções do cinema sonoro: Drácula (Dracula, 1931), de Tod Browning — com Bela Lugosi no papel título —, é a mais famosa. A seguir vieram os obscuros A filha de Drácula (Dracula’s daughter, 1936), de Lambert Hillyer; O retiro de Drácula (House of Dracula, 1945), de Erle C. Canton; e Blood of Dracula (1957), de Herbert L. Strock. Filmes sobre vampiros em geral havia em maior número: O solar do diabo (Le manoir du diable, 1896), de Georges Méliès; Lilith und Ly (1919), de Erich Kober; O vampiro (The vampire bat, 1933), de Frank R. Strayer; A marca do vampiro (Condemned to live, 1935), de Frank R. Strayer; A volta do vampiro (Return of the vampire, 1944), de Lew Landers; Os vampiros (Vampiri, 1956), de Ricardo Freda; O ataúde do vampiro (El ataúd del vampiro, 1957), de Fernando Méndez; O morcego (El vampiro,1957), de Fernando Méndez; sem esquecer as obras mestras Nosferatu (Nosferatu eine symphonie des grauens, 1921), de Friedrich Wilhelm Murnau; e Vampiro (Vampyr, 1931), de Carl Theodor Dreyer.


Apesar dos contrários, Fisher foi em frente. Para ele a atração exercida por Drácula e demais criaturas do fantástico nunca esteve circunscrita ao gênero ou à história; dependia exclusivamente da capacidade do ator escolhido para viver o personagem. Se a interpretação fosse convincente o público responderia de forma positiva, mesmo se o argumento incorporasse incoerências e recorrências.




Acima e abaixo: o Conde Drácula, pela primeira vez interpretado por Christopher Lee


A premissa de Fisher se mostrou correta. Christopher Lee, canastrão convincente, consagrou-se no papel. É o Drácula mais popular do cinema. Movimenta-se com desenvoltura por ambientes escuros, essenciais à sobrevivência do vampiro e aos climas de pavor e suspense necessários às realizações do gênero. Além de O vampiro da noite, circulou com a capa esvoaçante e dentes pontiagudos em sete outras realizações: Drácula, o príncipe das trevas (Dracula: prince of darkness, 1965), de Terence Fisher; Drácula, o perfil do diabo (Dracula has risen from the grave, 1968), de Freddie Francis; Sangue de Drácula (Taste the blood of Dracula, 1969), de Peter Sasdy; Conde Drácula (El Conde Dracula, 1970), de Jesús Franco; O Conde Drácula (The scars of Dracula, 1970), de Roy Ward Baker; e Drácula no mundo da minissaia (Dracula AD 1972, 1972), de Alan Gibson.


O inocente corretor de imóveis Jonnathan Harker (Van Eyssen) se torna bibliotecário no roteiro de Jimmy Sangster para O vampiro da noite. No romance, rumava da Inglaterra à romena região da Transilvânia para negociar o castelo do Conde Drácula. Agora é contratado para lhe organizar a biblioteca. Na verdade, é um caçador de vampiros. Algo não dá certo, claro! Atacado por uma vampira, preocupa-se com seu destino. Registra as transformações que lhe ocorrem, como advertência, em diário. Espera que alguém encontre o volume. Antes da consumação da metamorfose, fracassa ao tentar eliminar Drácula, adormecido na cripta.




Acima e abaixo: Van Helsing, o caçador de vampiros interpretado por Peter Cushing


Passam-se os anos. Chega à região, em busca de Harker, o Dr. Van Helsing (Cushing). Tenta levantar informações sobre o desaparecido. Nada consegue. Só encontra gente arredia, que o evita. Entretanto, recebe em segredo o diário, encontrado nas proximidades do castelo de Drácula. Aí chega, a tempo de presenciar a saída de uma carruagem transportando caixão funerário. É Drácula indo ao encontro de Lucy (Marsh), noiva de Harker. Encantou-se por ela, de imediato, desde que a viu em fotografia. Van Helsing reconstitui os eventos ao encontrar, quebrado, um porta-retrato entre os pertences de Jonnathan. Logo o avista, transformado em vampiro e adormecido na cripta do Conde. Horrorizado, resta-lhe apenas a brutal opção de libertar a alma do amigo pelo radical método da estaca de madeira fincada no coração.


No retorno à Alemanha (Inglaterra, no original de Stoker), notifica Arthur (Gough), irmão de Lucy, sobre o ocorrido, sem entrar em maiores considerações. Mas descobre a jovem em estado de profunda anemia, apesar de todos os cuidados médicos. Desconfiado, examina-a. No pescoço estão as fatais evidências. O sangue de Lucy vem sendo sugado lentamente. As instruções para salvá-la não são obedecidas. Ela logo “falece”. Destratado pelo desesperado Arthur, Van Helsing lhe revela o diário do cunhado.



A vampirizada Lucy (Carol Marsh)


Apesar de sepultada, Lucy é avistada perambulando pelas cercanias, à noite. O cético Arthur averigua. Encontra o túmulo vazio. Estava para ser atacado pela irmã vampirizada quando é salvo pela chegada de Van Helsing, com um crucifixo. A morta-viva busca proteção, mas tem o coração empalado pela estaca libertadora. Com a verdade confirmada da pior maneira, Drácula é caçado. Tem o esconderijo descoberto. Mas se apoderou de Mina (Stribling), esposa de Arthur. Ela logo revela sintomas de exaustão física. No entanto, cada vez mais acuado, o vampiro escapa para seus domínios com a refém. Na perseguição, Van Helsing e Arthur impedem que seja sepultada viva. O dia está por amanhecer. Drácula precisa se abrigar da fatal luz do sol, mas é alcançado pelo caçador. As cenas a seguir ainda preservam o impacto, apesar da passagem do tempo. Atingido pela luz solar e submetido ao poder de um crucifixo improvisado, o Conde se decompõe ao estado de pó, por fim carregado pelo vento.


O Conde Drácula (Christopher Lee).


Para muitos, O vampiro da noite é mais que um clássico do fantástico. É a culminância do horror gótico e a melhor adaptação cinematográfica da obra de Bram Stoker. Terence Fisher é elogiado pela mão de mestre na orquestração dos elementos sobrenaturais que animam a atmosfera soturna do mundo do Conde Drácula.


Não há como negar o sucesso alcançado pelo filme, a ponto de desencadear uma série de produções similares que consagraram o diretor e a companhia produtora, a Hammer Film, como especialistas do cinema de terror. Ganhou fama a “Coleção Maldita de Terence Fisher” — conjunto de realizações a explorar adaptações de temas ligados a vampiros, criaturas de Frankenstein, múmias, túmulos, bruxas, mortos-vivos, castelos mal assombrados etc.



Valerie Gaunt como uma das mulheres vampirizadas por Drácula


Infelizmente, O vampiro da noite não merece tantos elogios. No final dos anos 50 é provável que sim. Visto hoje, mostra-se envelhecido e destituído de força. Não possui clima de filme de terror; não convence como obra do gênero. As exceções se apresentam no começo, nas momentos finais e quando Mina recebe Drácula em casa. A cor é fator complicador. Explicitou em demasia os cenários, retirando-lhes a essencial aparência fake. O preto e branco, com certeza, surtiria melhores efeitos. Além do mais, O vampiro da noite padece de um mal de origem. É britânico. Isso significa que é excessivamente contido. Às vezes lembra mais um melodrama bem comportado que um filme de vampiro ousado e aterrador. Algumas passagens são terrivelmente ruins: a cena de Arthur no cemitério, sem o menor traço de assombro ao descobrir a irmã vampirizada, é um exemplo. Também causa constrangimento o instante em que o perseguido Drácula salta da carruagem nos arredores do castelo e tenta, com incontida fúria, sepultar Mina. Já encontra a cova aberta e a providencial pá.



Van Helsing (Peter Cushing) improvisa um crucifixo contra o Conde Drácula


Aos meus critérios, Drácula, Terence Fisher e Christopher Lee teriam melhor sorte em Drácula, o príncipe das trevas — espécie de prolongamento de O vampiro da noite — realizado sete anos depois.


Quando exibido na televisão, O vampiro da noite foi batizado como Horror de Drácula, tradução literal do título atribuído pela distribuição estadunidense.



Bastidores da filmagem: Carol Marsh, intérprete de Lucy, toma um cafezinho entre as tomadas



Nos Estados Unidos, a película é conhecida como Horror of  Dracula 



Roteiro: Jimmy Sangster, com base na novela de Bran Stoker. Música: James Bernard. Direção musical: John Hollingsworth. Direção de fotografia (Technicolor): Jack Asher. Desenho de produção: Bernard Robinson. Supervisão de montagem: James Needs. Produção executiva: Michael Carreras. Gravação de som: Jock May. Montagem: Bill Lenny. Gerente de produção: Dom Weeks. Assistente de direção: Bob Lynn. Operador de câmera: Len Harris. Maquiagem: Phil Leaky. Penteados: Henry Montsash. Continuidade: Doreen Dearnaley. Guarda-roupa: Molly Arbuthnot, Rosemary Burrows (não creditada). Efeitos especiais: Sidney Pearson, Les Bowie (não creditado). Produtor associado: Anthony Nelson-Keys. Direção de arte: Bernard Robinson (não creditado). Assistente de maquiagem: Roy Ashton (não creditado). Segundo assistente de direção: Tom Walls (não creditado). Estucador: Arthur Banks (não creditado). Carpintaria: Charles Davis (não creditado). Aquisições: Eric Hillier (não creditado). Gerente de construções: Mick Lyons (não creditado). Desenhos técnicos: Don Mingaye (não creditado). Contrarregra: Tom Money (não creditado). Pinturas: Lawrence Wren (não creditado). Operador de microfone: Claude Hitchcock (não creditado). Dublês (não creditados): Peter Diamond, Nosher Powell. Eletricista-chefe: Jack Curtis (não creditado). Fotografia de cena: Tom Edwards (não creditado). Controle de foco: Harry Oakes (não creditado). Tempo de exibição: 82 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1974)