quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

TERCEIRO ANIVERSÁRIO DO BLOG "EUGENIO EM FILMES"



Com 175 postagens Eugenio em Filmes chega — tão despretensiosamente como começou — ao terceiro aniversário. Permanece fiel às intenções iniciais expostas no texto inaugural — APRESENTAÇÃO — de 13 de dezembro de 2013: firmar-se como espaço para publicação das memórias cinéfilo-afetivas de José Eugenio Guimarães. São textos diversificados — em geral, de apreciações de filmes que vi —, vindos à luz em épocas variadas. A lógica aleatória preside as publicações por meio de um sorteio baseado nos números de ordem dos escritos que integram meus arquivos de cinema, nos quais estão registrados, sem exceção, todos os filmes vistos por mim em 57 anos de cinefilia.


Completar três anos, com ânimo para chegar a quatro, é um feito. Afinal, não é fácil ativar e manter um blog, por mais despretensioso que seja. A blogosfera é uma selva. Alcançar visibilidade demanda esforço e persistência. Muitos desistem. Teimoso, Eugenio em Filmes continuou em frente, valendo-se de mecanismos de divulgação fincados nos esforços do titular, de amigos, colegas e parceiros dispersos por plataformas de e-mail e redes sociais como Google+ e Facebook. Provavelmente, este blog jamais será um avassalador sucesso de público. Mesmo assim, é compensador saber que partiu dos iniciais e minguados 10 acessos diários, em média, para os 420 de agora. Já atingiu a marca recorde de 1213 em um único dia. Apesar de escrito em português, as ferramentas de tradução facilitam a aferição dos conteúdos além das fronteiras brasileiras, em países como Estados Unidos, Alemanha, Portugal, Rússia, Índia, China, França, Espanha, Malásia, Ucrânia etc.


Nesses três anos, as 20 publicações de maior alcance são:


1. NAZISTAS NO SUL DO BRASIL: Aleluia, Gretchen (1976), de Sylvio Back.




2. A MAIS VIOLENTA AVENTURA CINEMATOGRÁFICA DE TARZAN: Tarzan, o magnífico (Tarzan the magnificent, 1960), de Robert Day.





3. DEAD MAN WALKING! A PENA DE MORTE E O ESTADO EXECUTOR NA PERSPECTIVA DE TIM ROBBINS: Os últimos passos de um homem (Dead man walking, 1995), de Tim Robbins.





4. A DISTOPIA DE TRUFFAUT ADAPTADA DE BRADBURY: LIVROS ARDEM A 451 GRAUS FAHRENHEIT!: Fahrenheit 451 (Fahrenheit 451, 1966), de François Truffaut.





5. O WESTERN INSPIRADO EM DIVERSAS FONTES DA LITERATURA HEROICA: Os brutos também amam (Shane, 1953), de George Stevens.





6. SHREK PERDIDO NUM DIA DE GEORGE BAILEY: Shrek para sempre (Shrek forever after, 2010), de Mike Mitchell.





7. ABORDAGEM ALEGÓRICA DA DOMINAÇÃO CULTURAL E DE SUA SUPERAÇÃO NO TEMPO DA FRANÇA ANTÁRTICA: Como era gostoso o meu francês (1970), de Nelson Pereira dos Santos.





8. CANIBALISMO E OUTRAS BIZARRICES NO ESTRANHO CONDOMÍNIO DE UMA PARIS SOMBRIA E APOCALÍPTICA: Delicatessen (Delicatessen, 1991), de Marc Caro e Jean-Pierre Jeunet.





9. O WESTERN AO ‘DEUS DARÁ’ DE J. LEETHOMPSON: O ouro de Mackenna (Mackenna's gold, 1969), de J. Lee Thompson.





10. O BALANÇO DOS ANOS 60 E DO SONHO AMERICANO POR ARTHUR PENN: Amigos para sempre (Four friends, 1982), de Arthur Penn.





11. EVOLUINDO PARA PROCESSOS EFICAZES DE GERAÇÃO DE ENERGIA LIMPA EM MONSTRÓPOLIS: Monstros S.A. (Monsters, Inc, 2001), de Peter Docter, David Silverman e Lee Unkrich.





12. ITÁLIA, 1924: FASCISMO EM ALTA — MATTEOTTI É ASSASSINADO; MUSSOLINI TOMA O PODER: O delito Matteotti (Il delitto Matteotti, 1973), de Florestano Vancini.





13. OS DOZE APÓSTOLOS PROFANOS DO MAJOR REISMAN: Os doze condenados (The dirty dozen, 1967), de Robert Aldrich. 









15. SOPHIA LOREN ENTRE AS "MÃES" DE BRECHT E GORKI NA ITÁLIA DEVASTADA PELA GUERRA: Duas mulheres (La ciociara, 1961), de Vittorio De Sica.





16. A FANTASIA CINEMATOGRÁFICA EM MOMENTO DE VIBRAÇÃO MAIOR: O ladrão de Bagdá (The thief of Bagdad — An Arabian fantasy, 1940), de Michael Powell, Tim Whelan, Ludwig Berger, Alexander, Zoltan Korda e William Cameron Menzies.





17. OS FLAMINGOS DE FOGO DE WATERS E DIVINE: Pink Flamingos (Pink Flamingos, 1972), de John Waters.





18. NÃO! ELE NÃO ESTÁ MORTO, AINDA NÃO!: Jake Grandão (Big Jake, 1971), de George Sherman.





19. WESTERN EXEMPLAR DE HENRY KING EXPÕE A ALMA TORTURADA DO MATADOR: O matador (The gunfighter, 1950), de Henry King.





20. COM WALT DISNEY NO NAUTILUS DE JULES VERNE E DO CAPITÃO NEMO: 20 mil léguas submarinas (Twenty thousand leagues under the sea, 1954), de Richard Fleisher.






Como de outras vezes, externo agradecimentos a Yamê Oliveira Peixoto pelo design simples e funcional do layout do blog. Também a Olímpia de Oliveira e Iracema Costa Magalhães pelas revisões ortográficas e gramaticais — fundamentais, ainda mais quando o autor está viciado no texto que escreveu e, portanto, incapacitado de perceber até mesmo erros e incongruências que costumam saltar aos olhos.


Meu muito obrigado aos amigos e colegas blogueiros, aqui representados por Paulo Telles (Filmes Antigos Club), Francisco Bino (ClyBlog) e Emerson Teixeira (Cronologia do Acaso). Contribuíram muito na ampliação da visibilidade do blog ao permitir a manifestação do autor em entrevistas concedidas aos seus respectivos espaços; no caso de Paulo Telles ao programa Cine Clube transmitido pela Escola de Radio Web.


Não posso deixar de agradecer aos novos amigos cultivados na blogosfera, pelo aprendizado permitido graças à troca de experiências: Carmen Cardenosa, Maria Del Socorro Duarte, Juan Carlos, Federico M., Juan Carlos Vinuesa e Roy Bean, Sunny Mama, Erika Martin, Raul Miruri, Cid Vasconcelos, Consciencia y Vida Magazine, Chari Br7, Anna Hernandez, Javi Gazapo, Ruben Alonso, Matthew Vilela, Léo Costa, Eduardo Fernando Gomes Filho e Arturo Garcia. Ficam agradecimentos também a Jurandir Lima (Faroeste), Fernando Monteiro, Thomaz Antônio F. Dantas, Eliana Gonçalves de Moares, Leda Nascimento, Luísa Angélica, Angélica Maia, Dina Mendes, Eduardo Brito de Azevedo, Mairon Mattos, Lene Dann, Márcia Trevizani, Adriana Dezerto, Renato Soares, Lidia Lane, Brigid Arwen, Darcy Mendes, Dianna Mell, Teresa Cristina e tantos outros por seus esforços de divulgação ou participações em discussões de cinema sempre frutíferas, que resultam em partilhas de conhecimento e prazer.


Vamos ao quarto aniversário!


Um abraço a todos, inclusive a vários colaboradores e amigos que as falhas de memória não permitiram nominar.


(José Eugenio Guimarães, 2015)

domingo, 6 de dezembro de 2015

A PRIMEIRA FRENTE DE CECIL B. DE MILLE NA GUERRA DOS SEXOS

1918: Cecil B. De Mille fracassa nas bilheterias com o denso, complexo e único Vassalagem (The whispering chorus). Nesse ano, por sugestão do produtor Jesse L. Lasky, lança-se em realizações ousadas com foco no comportamento da ascendente burguesia estadunidense. Vida conjugal, infidelidade, divórcio e sexo ocupam o centro das atenções em histórias ambientadas na contemporaneidade e nos grandes centros urbanos. Títulos como We can't have everything (1918), Don't change your husband (1919), Macho e fêmea (Male and female, 1919), Why change your wife? (1920), O fruto proibido (Forbidden fruit, 1921), Fool's paradise (1921), Saturday night (1922), Manslaughter (1922) e outros forçam os limites da ética puritana e transformam o diretor em chamariz a uma plateia ávida por escapismo picante. As ousadias encontram livre curso até 1924. A partir daí, o Código de Produção ou Hays passa a impor rigorosos limites morais aos filmes made in USA. Amores velhos por novos (Old wives for new) é a primeira e mais ousada peça desse conjunto. Para os padrões da época é abertamente amoral. Assustou os produtores e por pouco não foi lançada. 






Amores velhos por novos
Old wives for new

Direção:
Cecil B. De Mille
Produção:
Cecil B. De Mille
Artcraft Pictures Corporation
EUA — 1918
Elenco:
Elliott Dexter, Florence Vidor, Sylvia Ashton, Wanda Hawley, Theodore Roberts, Helen Jerome Eddy, Marcia Manon, Julia Faye, J. Parks Jones, Edna Mae Cooper, Gustav von Seyffertitz, Tully Marshall, Lillian Leighton, Mayme Kelso, Alice Taafe e os não creditados Noah Beery, William Boyd, Edythe Chapman, Raymond Hatton, Lloyd Hughes, Charles Ogle, Guy Oliver, Larry Steers, Madame Sul-Te-Wan.


Cecil B. De Mille



Cecil B. De Mille vinha de sucessivas experimentações desde a estreia na direção em 1914. Conheço pouquíssimos filmes dessa fase inicial e dos anos 20. Sobre o começo da carreira, sei que atingiu o ápice criativo em 1918 com o denso e complexo Vassalagem (The whispering chorus). Nesse ano, apoiado pela colaboradora habitual, a roteirista Jeannie McPherson, reorientou a trajetória. O filme seguinte, Amores velhos por novos, é partida a um conjunto de realizações ousadas, de conteúdo picante. As histórias, em geral, focam o comportamento licencioso da otimista e ascendente burguesia estadunidense. A vida conjugal ocupa o centro das atenções em narrativas passadas na contemporaneidade e ambientadas nos grandes centros urbanos.


O incentivo à mudança — que também implicou em certo acomodamento criativo e relativa adesão à vulgarização no tratamento dos costumes — partiu do produtor e parceiro Jesse L. Lasky[1]. Este percebeu uma reorientação no gosto das plateias do pós-guerra. Começaram a preferir filmes mais leves, alimentados por temas atuais e, de certa forma, opostos à moral vigente. Amores velhos por novos centra o foco na guerra dos sexos, inclusive na espinhosa — ainda mais para a época — diferença etária no relacionamento amoroso. A realização respondeu bem nas bilheterias. Junto aos filmes seguintes, de igual tendência — We can't have everything (1918), Don't change your husband (1919), For better, for worse (1919), Macho e fêmea (Male and female, 1919), Why change your wife? (1920), Something to think about (1920), O fruto proibido (Forbidden fruit, 1921), As aventuras de Anatólio (The Affairs of Anatol, 1921), Fool's paradise (1921), Saturday night (1922), Manslaughter (1922) e Costela de Adão (Adam's rib, 1923) —, transformaram Cecil B. De Mille em chamariz de público, praticamente uma marca — como aconteceria com Alfred Hitchcock muito depois. Impuseram um estilo de realização exclusivo ao cineasta, ao menos na Paramount Pictures e na companhia que a originou: a Famous Playeres-Lasky, de Adolph Zuckor e Jesse L. Lasky, à qual estava relacionada a Artcraft Pictures Corporation, responsável por Amores velhos por novos.


O ponto de partida é o alentado romance de 495 páginas de David Graham Phillips, repórter sensacionalista alçado à fama por denunciar a corrupção na esfera parlamentar[2]. O texto trata de crise matrimonial, carência afetiva, adultério, divórcio, assassinato, sexo e chantagem. Os direitos de adaptação foram adquiridos por Jesse L. Lasky por nada desprezíveis 6,5 mil dólares. A luxuosa produção custou dez vezes esse valor. Porém, a resposta nas bilheterias foi de aproximados 350 mi dólares[3]. Confirmavam-se assim o faro de Jesse L. Lasky, a tarimba do cineasta e, principalmente, o talento de Jeannie McPherson. Ela soube transformar o volumoso original em eficaz, ligeiro e bem humorado drama acerca da permissividade dos costumes nos extratos sociais mais afluentes dos Estados Unidos.


De início, o resultado apavorou os distribuidores devido ao inusitado grau de ousadia. Após a primeira prévia, a prestimosa publicação Photoplay acusou o filme de debochado e repugnante; também chamou De Mille de imoral divulgador de licenciosidades[4]. Numa sociedade estruturada em torno da ética puritana, ainda nos primeiros anos do século 20, Amores velhos por novos defende abertamente o divórcio como caminho para a felicidade geral. Não vê problema algum no adultério e no apelo sem restrições às mulheres de vida fácil. Deixa impune um assassinato com o propósito de salvar aparências e destaca o frenesi de uma imprensa habituada a noticiar com base no disse-me-disse, fazendo pouco caso de confirmações e evidências factuais.


Sylvia Ashton, Elliot Dexter e Florence Vidor protagonizam Old wives for new

  
A exibição só foi autorizada quando veículos mais liberais como The Motion Picture News e Variety destacaram a mão de gênio de DeMille e a delicadeza do tratamento, por mais ousada e picante que fosse a história[5]. No cinema, Amores velhos por novos antecipou em alguns anos a atmosfera efervescente dos Roaring Twenties (Loucos Anos 20). A época arrepiou as ligas da decência, que impuseram a Lei Seca (1920-1933) e o Código Hays (1924-1966). Este fixou rigorosos limites morais à produção cinematográfica, principalmente com respeito à violência, à exposição dos aspectos mais reservados da vida conjugal e de relações que sugerissem intimidade sexual.


Amores velhos por novos começa com curioso recado endereçado explicitamente a Sophy Murdock (Ashton) e às mulheres em geral: "Acredito, Sophy, que as mulheres tendem a não valorizar seu maridos como deveriam. Cultivam a tendência de se abandonarem, fazerem-se desalinhadas pela simples razão de que já laçaram sua peça. As mulheres devem ser formosas, mas naturalmente, sem a necessidade de apelar para extravagâncias. Devem, sim, adornar seus atrativos com cintas e laços para fazer dos homens amantes, além de esposos".


Em pequena cidade, provavelmente do Texas, Sophy é causa dos lamentos e desgostos do marido e magnata do petróleo Charles Murdock (Dexter). Um flashback, relativamente longo e avançado para a época — resultado dos devaneios do infeliz consorte —, revela como se conheceram, no campo, vinte anos antes. Ele pescava quando a percebeu em distraído passeio. Era delgada e graciosa (Hawley). Foi literalmente fisgada em planos que enquadram o mais campestre dos idílios. Casaram-se e tiveram filhos, os jovens Norma (Eddy) e Charley (Jones). Porém, enquanto Charles soube cultivar a boa aparência com o passar dos anos, Sophy se descuidou por completo. Foi além da acomodação ao matrimônio. Passa os dias em casa, deitada ou dormindo. Sua única diversão é a leitura de novelas para senhoras. Ingere guloseimas em excesso. Como resultado, engordou demasiado. Distanciou-se dos cuidados domésticos. Fez-se indiferente aos filhos e marido. Sem esperanças, Charles Murdock sugere o divórcio com divisão equânime de bens. Ele, Charley e o secretário Melville Bladen (von Seyffertitz) partem para temporada de caça de três semanas. Nesse tempo, Sophy deverá avaliar a proposta.


Acomodada à vida de casada, Sophy Murdock (Sylvia Ashton) se descuidou por completo
A criada é vivida por Lillian Leighton

Os jovens Charles Murdock (Elliott Dexter) e Sophy (Wanda Hawley) em idílico primeiro encontro


Para o mesmo destino também foi a musa Juliet Raeburn (Vidor). Jovem, bela, atraente e descompromissada, terá a missão de romper os fios do destino. É afamada modista instalada na Quinta Avenida de Nova York. Preserva todos os atributos considerados fundamentais à feminilidade, sem apelo aos artifícios. O acaso aproximará Juliet e Charles. Mr. Murdock rejuvenesceu consideravelmente após eliminar o bigode, por insistência do filho. Tanto que se passa por irmão do rapaz. Porém, a crise de consciência logo se impõe. Passados alguns dias, revela à decepcionada modista que não é tão jovem, mas um senhor casado e pai de dois filhos. A temporada feliz termina melancolicamente.


No campo, o magnata Charles Murdock (Elliot Dexter) e a modista Juliet Raeburn (Florence Vidor) se apaixonam

A afamada modista  Juliet Raeburn (Florence Vidor)


Na volta ao lar a recepção não é das melhores. Sophy repreende o marido pela falta do bigode e desconfia de algo mais quando o filho faz referência à moça que conheceram. Tudo piora, consideravelmente, quando surte efeito uma artimanha decorrente das segundas intenções do secretário Melville: dos pertences de Mr. Murdock surge o lenço perfumado com as iniciais JR. Sophy reage enfurecida com a surpresa. Chama o marido de traidor e nega o divórcio. Atônito, Charles revida. Acusa a esposa de relapsa e responsável por tudo de ruim que aconteceu ao casamento. De imediato, parte para Nova York. É a oportunidade para se avistar com o sócio Tom Berkeley (Roberts) e tentar reaproximação com Juliet. A mocinha permanece irredutível em assumir compromisso com um homem casado. A partir daí, amplia-se a complexidade narrativa de Amores velhos por novos.


Berkeley é um perfeito bon vivant. Cultiva os prazeres noturnos proporcionados por clubes, bebidas e mulheres dissolutas. Charles, arrastado pelo sócio, tem a companhia da aventureira Viola Hastings (Manon), mas só pensa em Juliet. A noite avança, rumo à confusão e tragédia. A relegada Mrs. Berkeley (Chapman) surpreende o marido com a amante Jessie (Faye). Possessa, assassina o infiel. Temeroso com o escândalo, Charles abafa o caso. Porém, os tablóides tomam a dianteira. Publicam notícias sem fundamento, associando as razões do crime a uma suposta mulher vista na companhia de Mr. Murdock. Ao tomar ciência do ocorrido, Sophy pensa em Juliet Raeburn e a denuncia aos jornais. Em paralelo, as segundas intenções do secretário Melville surtem efeito. Começa a cortejar a insatisfeita Sra. Murdock. Procura, acima de tudo, valorizá-la afetivamente e na autoestima. Logo, apoiada pelos filhos, Sophy aceita o divórcio e entra na posse da metade dos bens de Charles. O astuto Melville, agora casado com a esposa do patrão, se torna, por extensão, um milionário. Por outro lado, para desviar de Juliet o foco da imprensa e das investigações, Murdock viaja para Veneza, com Viola. Para tornar tudo mais crível, contrai núpcias amplamente noticiadas com a acompanhante. Quando o caso da morte de Berkeley esfria e Juliet sai do centro das atenções, Charles se separa de Viola, não sem deixá-la financeiramente garantida — o que ela mais queria, afinal. Assim, entre reviravoltas e permissividades, Amores velhos por novos caminha para o epílogo. Evidentemente, Mr. Murdock será recompensado, pois Miss Raeburn saberá providencialmente de todos os sacrifícios que ele fez para protegê-la na reputação. As almas gêmeas se encontram. Tiveram a felicidade garantida pelo divórcio e assassinato nunca solucionado de Berkeley. O dinheiro de Charles comprou o silêncio das envolvidas e lhes providenciou novos e desconhecidos paradeiros.


O secretário Melville Bladen (Gustav von Seyffertitz) faz a corte à rejeitada esposa do patrão, Sophy Murdock (Sylvia Ashton)

  
Hoje, passados quase 90 anos, Amores velhos por novos continua surpreendente. É certo que se trata de realização anterior à entrada em vigor do Código de Produção. Porém quantos filmes, antes dos anos 20, concederam tanta abertura a conteúdos atualmente ainda classificados como francamente libertinos? Não há mensagens morais a extrair da história. Sexo, traição, divórcio e crime são cometidos com ampla liberdade e não geram restrições aos infratores. Aliás, são essenciais à felicidade dos protagonistas, principalmente de Sophy e Charles, até mesmo da inocente Juliet — beneficiária indireta das más ações. Provavelmente, Amores velhos por novos é caso único, mesmo na filmografia do conservador De Mille. Pelo que se sabe, não voltaria a evitar julgamentos e sanções morais para enquadrar personagens que escapassem aos interditos sociais, principalmente os referendados pela moral de fundo religioso. A direção também surpreende. Para a época, quando o cinema mal saía da adolescência narrativa, merece destaque o flashback de Charles Murdock, saudoso do tempo em que conheceu a delgada e jovial Sophy. Praticamente não há artifícios de câmera ou montagem para introduzir e finalizar o momento, muito menos intertítulos explicativos. Há apenas o personagem vivido por Elliott Dexter fumando pensativo ao examinar uma fotografia do casal em dias melhores. Uma transição rápida e suave dá vida às recordações. Tudo termina com um corte direto: Sophy, no presente, chama o marido à realidade. Também não há exageros visuais ou dramáticos na história, algo inusitado em se tratando de De Mille. Tudo flui com leveza e agilidade. Os figurinos, motivos de tantas críticas negativas[6], são suntuosos mas não exagerados. Ajustam-se plenamente às funções, posições sociais e ambientes.


Charles Murdock (Elliot Dexter) e Viola Hastings (Marcia Manon) - separação com compensação pelos bons serviços prestados


No elenco, destaca-se Theodore Roberts como o libertino Tom Berkeley. Seu tempo em cena é relativamente curto. Dura o suficiente para ser apresentado, inclusive no modo de ser. Sua atuação ganha relevo quando é assassinado. O momento é memorável. Atingido por tiros frontais e à queima roupa, não falece de súbito. Recebe, incrédulo, o impacto das balas. Aturdido, avança alguns passos e toma assento sobre a cama. Ainda tem tempo para notar o sangue manchando lentamente a camisa branca antes de expirar de vez.


 Charles Murdock (Elliot Dexter) com o moribundo sócio Tom Berkeley (Theodore Roberts)


Uma curiosidade: a graciosa e competente Florence Vidor herdou o nome do ilustre marido, o cineasta e mestre King Vidor.





Roteiro: Jeanie Macpherson, baseado em novela de David Graham Phillips. Música (inserida no pós-silencioso): Louis F. Gottschalk. Direção de fotografia (preto e branco): Alvin Wyckoff. Montagem: Cecil B. DeMille. Direção de arte: Wilfred Buckland. Figurinos: Alpharetta Hoffmann. Tempo de exibição: 60 minutos.


(José Eugenio Guimarães; 2014)



[2] Ibidem.
[3] Ibidem.
[4] Ibidem.
[5] Ibidem.
[6] Ibidem.