domingo, 6 de agosto de 2017

APESAR DAS LIMITAÇÕES DO ROTEIRO E DA PRODUÇÃO, UM WESTERN À FRENTE DO SEU TEMPO

Em 1995, Todd Robinson realizou o documentário Wild Bill: Hollywood maverick, dedicado à memória do rebelde e atualmente esquecido cineasta William A. Wellman. Aqueles que o viram certamente guardam a lembrança da menção a uma das mais divertidas e fétidas vinganças desferidas por um diretor contra um produtor. Cansado de ser sabotado pelo todo-poderoso chefe de produção da 20th Century-Fox, Wellman foi aos arredores de Hollywood e abarrotou uma carroça com estrume fresco. Pela janela, despejou tudo na sala do big boss Darryl F. Zanuck. Piloto de aviação durante a Primeira Guerra Mundial, William Wellman — apelidado de Wild Bill — integrou a lendária Esquadrilha Lafayette. No cinema, teve apreço aos temas da aeronáutica. Porém, sempre preferiu o western. Deu vida a cerca de quinze títulos ambientados na fronteira ocidental dos Estados Unidos, dentre os quais Consciências mortas (The Ox-Bow incident, 1943) — precisa e eficaz abordagem crítica de um dos “esportes” mais praticados nas áreas sem lei do país: o linchamento. Em 1944, 32 anos antes da desmistificação de Robert Altman endereçada a William Frederick Cody (Buffalo Bill) em Oeste selvagem (Buffalo Bill and the indians, or Sitting Bull’s History Lesson), Wellman tentou se antecipar à era dos westerns revisionistas. Infelizmente, os produtores não permitiram a pretendida demolição pioneira da imagem do famoso batedor e caçador em Buffalo Bill. Apesar disso, teve a coragem de apresentar digno e inédito retrato da humanidade dos índios. Também identificou os motivos que os impulsionaram à guerra contra o projeto colonizador: a ameaça do fantasma da fome devido à indiscriminada matança dos animais que lhes forneciam alimentos e a expropriação de terras por empreendedores capitalistas do Leste. O personagem-título, representado por Joel McCrea, recebe abordagem contraditória. No entanto, considerada a época, são inesquecíveis as falas de Mão Amarela (Anthony Quinn), chefe Cheyenne, quando a guerra se torna inevitável: “Há maneiras mais dignas de morrer do que pela fome”. Esta apreciação a Buffalo Bill foi escrita em 1983.







Buffalo Bill
Buffalo Bill

Direção:
William A. Wellman
Produção:
Harry A. Sherman
20th. Century-Fox
EUA — 1944
Elenco:
Joel McCrea, Maureen O’Hara, Linda Darnell, Anthony Quinn, Thomas Mitchell, Edgar Buchanan, Moroni Olsen, Frank Fenton, Matt Briggs, George Lessey, Frank Orth e os não creditados Carl Andre, Arthur Aylesworth, Evelyn Beresford, Edward Biby, Sidney Blackmer, Billy Bletcher, Eddie Borden, George Bronson, Lyle Brown), Nora Bush, Jack Carry, Wheaton Chambers, George Chandler, Freddie Chapman, Ben Corbett, Frank Cordell, John Dilson, Larry Dods, Lester Dorr, Tatzumbia Dupea, Elmer Ellingwood, John Epper, George Fiske, Vincent Graeff, Fred Graham, Jesse Graves, William Haade, Reed Hadley, Cordell Hickman, Stuart Holmes, Robert Homans, Don House, Jack House, Gordon Jones, Eddie Juaregui, Fred Kennedy, Jack Kenny, John Konorez, Larry Lawson, Arthur Loft, Gerald Mackey, James Magill, Chief Many Treaties, Mae Marsh, Margaret Martin, Kermit Maynard, Frank McCarroll, Pat McKee, Merlyn Nelson, Eddie Nichols, Georgie Nokes, Cliff Parkinson, Bob Perry, Paul Power, John Reese, Walt Robbins, Merrill Rodin, Syd Saylor, Phil Schumacher, Audrey Scott, Jack Shannon, Clint Sharp, George Sherwood, Bhogwan Singh, Joe P. Smith, Charles Soldani, Edwin Stanley, Count Stefenelli, Harry Strang, Nick Thompson, Chief Thundercloud, Harry Tyler, Cecil Weston, Buster Wiles, Henry Wills, Thomas Alan Yazloff.



O piloto, cineasta e rebelde William A. Wellman



O cineasta William A. Wellman sempre esteve à vontade nos ares da aviação. Piloto condecorado, ganhou fama pelo ainda vibrante e vigoroso Asas (Wings, 1927) — primeira produção premiada com o Oscar de Melhor Filme. Também voou em A legião dos condenados (The legion of the condemned, 1928), Águias modernas (Young eagles, 1930), Atração dos ares (Central Airport 1933), Conquistadores do ar (Men with wings, 1938), Águias de fogo (Thunder Birds: soldiers of the air, 1942), O rompe nuvens (This man's navy, 1945), Gloriosa jornada (Gallant journey, 1946), O preço da glória (Battleground, 1949), Geleiras do inferno (Island in the sky, 1953) e Um fio de esperança (The high and the mighty, 1954). Na Europa, durante a Primeira Guerra Mundial, integrou a famosa Esquadrilha Lafayaette cujos feitos exaltou em seu último filme: Lutando só pela glória (Lafayette Escadrille, 1958).


Apesar da afinidade aos temas da aeronáutica, Wellman sempre manifestou maior predileção pelo western. Um balanço pouco criterioso por uma filmografia de 83 títulos (1920-1958) destaca 15 produções ambientadas no Velho Oeste: The twins of Suffering Creek, de Scott R. Dunlap — participou como diretor não creditado —, The man who won (1923), Big Dan (1923), Not a drum was heard (1924), The vagabond trail (1924), The circus cowboy (1924), A caravana (The conquerors, 1932), Viva Villa! (Viva Villa!, 1934), de Jack Conway — teve participação não creditada na direção, tal qual Howard Hawks — O bandoleiro do El Dorado (Robin Hood of El Dorado, 1936), Consciências mortas (The Ox-Bow incident, 1943), Buffalo Bill, Céu amarelo (Yellow sky, 1948), Assim são os fortes (Across the wide Missouri, 1951), O poder da mulher (Westward the women, 1951) e Dominados pelo terror (Track of the cat, 1954).


Buffalo Bill encontra lugar na fase mais consistente da filmografia de Wellman: o período entre Nasce uma estrela (A star is born, 1937) e Um fio de esperança. Surgiu após a concisa obra mestra Consciências mortas, incomum western de denúncia sobre a popularíssima prática estadunidense do linchamento. O realizador jamais foi simpático a William Frederick Cody, o Buffalo Bill. Pretendia apresentar um retrato desmistificador e anti-heroico do famoso batedor e caçador. Seria um filme crítico, baseado em roteiro muito à frente de seu tempo, sobre um impostor mitômano, bêbado e bravateiro — um dos principais responsáveis pela dizimação da cultura indígena no Oeste dos Estados Unidos. Infelizmente, os produtores — principalmente o todo poderoso chefe da 20th Century-Fox, Darryl F. Zanuck — não autorizaram a abordagem iconoclasta.


Mesmo assim, Wellman não se entregou por completo. Expôs um retrato heroico de Buffalo Bill, em acordo com a mitologia forjada pela literatura popular de autores como Ned Buntline (Mitchell) e que abriram ao personagem o caminho para a glória. Entretanto, fez um filme corajosamente pioneiro ao assumir inédito ponto de vista favorável aos índios com a denúncia dos massacres que sofreram. William Frederick Cody, interpretado com garbo por Joel McCrea, surge pelas mãos de Wellman como um indivíduo contraditório e dividido. Aparentemente é um ingênuo facilmente manipulado por forças organizadas à sua revelia quando não se apresenta também na pele de um fanfarrão. Admirava o Oeste e a cultura indígena, mas não conseguiu se separar dos compromissos assumidos com militares e negociantes do Leste. Estes queriam o apaziguamento forçado de Cheyennes e Sioux para se apropriar de terras ricas em recursos naturais segundo a lógica da acumulação demandada pela dinâmica do grande capital. Sabia que a matança indiscriminada e generalizada de bisões — incorretamente chamados de búfalos — por comerciantes de peles e caçadores atraídos de todas as partes do mundo ameaçaria gravemente a sobrevivência dos nativos por deixá-los à beira da fome e da guerra em prol da sobrevivência. Apesar disso, guiou e organizou caçadas, protegeu os interesses do espoliador empreendimento ferroviário e auxiliou a cavalaria nas muitas campanhas organizadas contra os nativos. Considerava-se amigo pessoal de Mão Amarela (Quinn), chefe Cheyenne. No filme, chega a defendê-lo contra a prepotência zombeteira de negociantes e oficiais militares. Exige que o honrem como "príncipe de seu povo", digno de tratamento à altura. Porém, na tristemente famosa batalha de Warbonnet Creek (1876) — na qual os guerreiros da tribo foram praticamente liquidados pela cavalaria guiada por Cody — não titubeou em atrai-lo para o combate corpo a corpo quando o matou e escalpelou. Nesta ocasião, diante dos corpos sem vida de muitos índios, afirmou pesaroso: "Todos eles eram meus amigos".


Joel McCrea como William Frederick Cody, o Buffalo Bill 

Buffalo Bill (Joel McCrea) e Mão Amarela (Anthony Quinn), chefe Cheyenne


As intenções de Wellman são evidenciadas desde a abertura. Os créditos são apresentados sobre a imagem de um índio vencido, a cavalo, praticamente sem forças para suportar o peso da lança que carrega. É uma dolorosa representação da derrota. Trata-se de escultura de James Earle Fraser denominada End of the trail. Está exposta em Waupun, estado do Wiscosin, e integra o acervo oficial de monumentos e lugares históricos dos Estados Unidos.


Se Buffalo Bill mereceu um retrato dividido, os índios têm absoluta certeza do papel a desempenhar diante de um futuro pouco promissor. Não lhes restam opções que não a guerra pela preservação de um modo de vida. Cheyennes e Sioux não são meras abstrações para William Wellman. Até então, os peles vermelhas eram retratados nos westerns apenas como indistintas e adversas forças da natureza, prontas a serem vencidas e removidas a todo custo em prol da consolidação de um projeto civilizador e de ocupação revestido de aura sagrada. Recebem agora, do cinema hollywoodiano, uma exposição praticamente inédita: são seres humanos à beira do extermínio em decorrência da inanição e expropriação de bens materiais e culturais. Partem para a guerra em defesa própria. Diante da exposição ao fantasma da fome por causa da indiscriminada e irracional matança de bisões, Mão Amarela comenta quando Sioux e Cheyennes consolidam uma aliança: “Há maneiras mais dignas de se morrer”.


Apesar de apoiada em fatos, a história em tela é ficção romanceada. Assemelha-se aos populares folhetins baratos que tanto sucesso fizeram no Leste dos Estados Unidos e elevaram William Frederick Cody à posição de herói nacional. A narrativa é organizada de forma episódica. Destaca os principais acontecimentos da vida do personagem em acordo com as linhas gerais do roteiro. No plano afetivo, a vida amorosa de Pakasha — denominação recebida dos Cheyennes — não é esquecida, apesar de pouco corresponder à realidade. O filme começa quando trava contato pela primeira vez com a futura esposa, Louisa Frederici (O’Hara), ao salvá-la do belicoso assédio de índios embriagados. É filha do senador Frederici (Olsen), porta-voz de capitalistas interessados na expansão dos negócios pela fronteira ocidental do país, principalmente os relacionados às ferrovias e ao lucrativo mercado de peles para a confecção de roupas de luxo.


Louisa Frederici (Maureen O'Hara) e Buffalo Bill (Joel McCrea)


Um momento particularmente bem humorado e inteligente do roteiro mostra como Buffalo Bill e Louisa foram levados ao casamento. Nada como a colaboração de um cavalo sagaz e a demonstração prática do uso peças rituais— uma flauta e uma manta — por jovens Cheyennes enamorados e interessados em selar o pacto matrimonial. Infelizmente, os momentos felizes da união conjugal duram pouco. Louise abandona o Oeste, insatisfeita com os longos períodos que deixam o marido afastado de casa em virtude dos constantes compromissos assumidos com empresários e militares. Parte para Washington com Kit Carson Cody, o filho recém-nascido. No filme, a cisão acontece quando Buffallo Bill praticamente a abandona à própria sorte, pouco tempo após o parto, para atender à convocação do General Blazier (Briggs). Deverá se unir ao exército na campanha desencadeada contra os índios responsáveis pela derrota e morte de George Armstrong Custer em Little Big Horn.


Além de Maureen O’Hara, outra presença feminina amorosamente interessada em Buffalo Bill é Linda Darnell em papel mal aproveitado: a jovem Cheyenne e professora Estrela do Amanhecer. Certamente, a atriz foi imposta à produção pelo namorado, o big boss Darryl F. Zanuck. Amarga ressentimento pelo fato de não ser branca, conforme se manifesta para Louise. Entrou no filme sem que roteiristas e diretores soubessem exatamente o que fazer com ela. É responsável por alguma tensão motivada por ciúmes e sem maiores consequências. Praticamente desaparece durante o resto da ação até ser localizada entre os mortos da batalha de Warbonnet Creek.


Joel McCrea no papel de William Frederick Cody e Maureen O'Hara como Louisa Frederici Cody

Buffalo Bill (Joel McCrea) e Estrela do Amanhecer (Linda Darnell)


No filme, a batalha de Warbonnet Creek é um divisor de águas. O conflito é fundamental à consolidação do personagem como herói de dimensão nacional. Daí em diante a narrativa abandona o Oeste. William Frederick Cody parte para Washington, convocado pelo Presidente da República. Receberá a Medalha de Honra do Congresso. Durante a viagem, toma ciência do quanto se tornou famoso graças ao sucesso de vendas das histórias de Ned Buntline a respeito de suas proezas. Pode-se dizer que perde a inocência e não será mais o responsável exclusivo por seu próprio destino ao se tornar fenômeno da cultura de massas. Agora outros falarão por ele e a fidelidade aos fatos se torna apenas detalhe de menor importância. Separar a realidade do mito — forjado como se tivesse existência própria — será cada vez mais difícil. Por isso, Buffalo Bill também conhecerá o inferno do qual tentará inutilmente escapar.


Ned Buntline (Thomas Mitchell), Louisa Frederici (Maureen O'Hara) e Buffalo Bill (Joel McCrea)


A estadia em Washington corresponde a longo período de acúmulo de insatisfações. Em meio às muitas homenagens que recebe, promovidas por capitalistas e políticos, toma consciência do quanto foi usado em proveito de terceiros no projeto geral da conquista do Oeste e extermínio da cultura indígena em particular. Envergonhado e arrependido, tenta se redimir com declarações que atacam frontalmente os interesses empresariais e honram a dignidade e nobreza dos nativos derrotados. Em meio a tantos dissabores toma conhecimento da morte do filho Kit Carson Cody, acometido de difteria — enfermidade típica de espaços urbanos densamente povoados e com condições sanitárias inadequadas. Tomado pela dor, culpa Louise pela perda. No ambiente mais saudável do Oeste nada de mal teria acontecido, alega.


Ao luto se somam os impactos da pesada campanha de difamação por parte da imprensa, bancada por negociantes e políticos que atacou como assassinos e usurários. Abandonado e sem dinheiro, é despejado do hotel. Após perambular pelas ruas qual vagabundo, é atraído ao stand de tiro de um parque de diversões. Quase é preso sob a acusação de roubo quando tenta empenhar a Medalha do Congresso por alguns trocados. Mas tem a chance de provar que é o famoso e exímio atirador Buffalo Bill. Sem opções imediatas de sobrevivência, é contratado como atração circense por Mr. Sherman (Orth). Assim é localizado por Louise, ocasião em que se reconciliam. Ela tenta convencê-lo a voltar ao Oeste. Recusa, por se considerar indigno para a região e sua gente. Porém, aceita o conselho de Ned Buntline: organizar um show permanente e itinerante com o propósito de exibir ao público do Leste encenações da história e cultura do Oeste, as guerras e a vida dos índios. Apoiado no próprio mito será a principal atração. Nasce assim, em 1883, o Oeste Selvagem ou Buffalo Bill’s Wild West Show, sucesso nacional e internacional. Percorre os Estados Unidos, Canadá e a Europa. Em 1887 se apresentou em Londres durante as celebrações do jubileu da Rainha Vitória e para o papa Leão XIII, no transcorrer de 1890, em Roma. Buffalo Bill se converte em bem sucedido pioneiro e empresário do moderno show business.


A narrativa avança até a recriação da derradeira apresentação de William Frederick Cody no Buffalo Bill’s Wild West Show, em 1917. O personagem, ostentando vasta cabeleira grisalha, comunica a aposentadoria ao público. Pretende viver no Oeste, na companhia de Louise, até o fim da vida. William Wellman confessou visível vergonha com o epílogo. De fato, não é fácil de engolir a cena do garoto de muletas (Graeff, não creditado) se erguendo na arquibancada para saudar o personagem com “Deus também te abençoe, Buffalo Bill". “Senti-me absolutamente enjoado”, declarou o diretor — como se pedisse desculpas pela encenação de algo tão constrangedor.


William Frederick Cody, o Buffalo Bill (Joel McCrea)


Em compensação, em outra passagem envolvendo crianças, Wellman foi particularmente justo e generoso. Inseriu um negro (Hickman, não creditado) na turma de pequenos fãs deslumbrados com as histórias contadas por Buffalo Bill. Inclusive permitiu ao personagem um curto e normal diálogo. A tomada, rápida, é marcante para a época. Passagens assim só se tornariam mais corriqueiras no cinema estadunidense após a deflagração da campanha pela ampliação dos direitos civis, praticamente 15 anos após a realização de Buffalo Bill.


Apesar de todos os senões, a produção tem qualidades. A principal, evidentemente, é a atribuição de valor positivo aos índios em sua luta pela sobrevivência. A representação física dos guerreiros também merece elogios. Não são figurantes brancos caracterizados, mas Navajos contratados para viver os Cheyennes e Sioux. O mestiço Anthony Quinn no papel de Mão Amarela também é escolha fenotipicamente bem acertada. Aliás, foi a segunda vez do ator no papel de um guerreiro Cheyenne. A primeira, de 1936, se deu em Jornadas heroicas (The plainsman), sob a direção do futuro sogro Cecil B. De Mille. No ano seguinte Quinn contraiu matrimônio com Katherine De Mille. Curiosamente interpretou, três anos antes de Buffalo Bill, outro índio famoso: o chefe de guerra Cavalo Louco, dos Sioux, em O intrépido General Custer (They died with their boots on), de Raoul Walsh.


Joel McCrea está correto. Tem a vantagem do imponente físico e a aparência estoica, condizentes com a imagem fixada pelo imaginário para Buffalo Bill. Provavelmente, é um dos melhores papéis do ator.


As externas, no que diz respeito à ambientação no Oeste, foram tomadas em locações no Utah, Arizona e Montana pelo mestre na direção de fotografia Leon Shamroy, em vivo Technicolor. As lentes captam com realismo as batalhas encenadas de forma espontânea, sem traços de espetaculosidade combinada entre oponentes. Duas forças se digladiam em campo relativamente aberto, sobre o leito de um rio, na climática batalha de Warbonnet Creek. Certamente, como deve ter acontecido na realidade, não foi confronto dos mais ordenados. O que se vê é um brutal choque entre o azul da cavalaria e as cores vivas dos Cheyennes, todos a cavalo e captados por uma câmera em tudo dinâmica e objetiva. É uma das melhores sequências bélicas dos westerns.


Linda Darnell como Estrela do Amanhecer


É um filme desigual. Na tentativa de contornar as dificuldades de um roteiro com o qual não concordava, William Wellman tentou atribuir marca crítica e pessoal a Buffalo Bill. De certa forma conseguiu, ao retratar os índios com valores positivos. Porém, havia um limite bem vigiado pelos produtores, além do qual a conhecida rebeldia do realizador não conseguiria ultrapassar. Às vezes não é somente um contraditório William Frederick Cody que se vê em tela, mas um personagem claudicante que luta para não destoar da imagem que a história oficial lhe reservou, ao menos até o momento da realização. O final, com as bênçãos do garoto de muletas lançadas ao envelhecido caçador e batedor, revela que o retrato oficial prevaleceu. Mesmo assim, é impossível não esquecer a imagem do índio estropiado na sequência de abertura, bem como as falas de Mão Amarela a respeito de formas mais nobres de se morrer que não as resultantes da conformação da existência — ou o que resta dela — a uma pouco gloriosa e indigna submissão coroada por mendicância e fome.





Roteiro: Aeneas MacKenzie, Clements Ripley, Cecile Kramer, com base em história de Frank Winch. Contribuição ao roteiro: John Francis Larkin (não creditado). Produção executiva: Darryl F. Zanuck (não creditado). Música: David Buttolph. Direção de fotografia (Technicolor): Leon Shamroy. Montagem: James B. Clark. Direção de arte: James Basevi, Lewis Creber. Decoração: Thomas Little. Figurinos: Rene Hubert. Maquiagem: Guy Pearce. Gerente de unidade: Sid Bowen (não creditado). Gerentes de produção (não creditados): R. L. Hough, Charles Stallings. Direção de segunda unidade: Otto Brower. Assistentes de direção (não creditados): Joseph C. Behm, William Eckhardt. Associado à decoração: Fred J. Rode. Supervisão de construções: Ben Wurtzel (não creditado). Som: Alfred Bruzlin, Roger Heman Sr. Efeitos especiais fotográficos: Fred Sersen. Dubles (não creditados): Ben Corbett, Frank Cordell, John Epper, George Fiske, Fred Graham, Jackie Hamblin, Howard Hill, Jack House, Eddie Juaregui, Fred Kennedy, Kermit Maynard, Frank McCarroll, Cliff Parkinson, Phil Schumacher, Audrey Scott, Jack Shannon, Clint Sharp, Joe Smith, Buster Wiles, Henry Wills. Guarda-roupa: Sam Benson (não creditado). Joias: Eugene Joseff (não creditado). Gerente de locações: Ray C. Moore (não creditado). Direção musical: Emil Newman. Música adicional: Arthur Lange (não creditado). Orquestração (não creditada): Arthur Morton, David Raksin. Direção de Technicolor: Natalie Kalmus. Associado à direção de Technicolor: Richard Mueller. Consultoria técnica (não creditada): Joe De Young, J.G. Taylor, Chief Thundercloud. Assistente para Harry A. Sherman: Dick Dickson (não creditado). Expert em arco e flecha: Howard Hill (não creditado). Estúdio de mixagem de som: Western Electric Recording. Tempo de exibição: 90 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1983)